SOBRE A VIDA

SOBRE A VIDA

A vida nunca se resumiu à paz. Existe o conflito que Homero eternizou, mas há, sobretudo, a força bruta do próprio existir. É uma lei implacável: estrelas explodem, cascas se rompem, corpos se defendem. Essa é a ação incessante do Universo, que, embora não seja malévolo, é absolutamente indiferente. Ele não conspira contra nós; ele simplesmente é, em um processo primordial de transformação, criação e destruição.

Na série “1883”, a narradora Elsa Dutton captura essa indiferença:

“O mundo não se importa se você morrer. Ele não vai ouvir seus gritos. Se você sangrar na terra, ela beberá o seu sangue. O mundo não está nem aí de você se cortar. Eu disse a mim mesmo que, quando encontrasse Deus, essa seria a primeira coisa que perguntaria: por que criar um mundo tão maravilhoso, e depois enchê-lo de monstros? Então, me ocorreu: ele não fez o mundo para nós.”

Dentro do nosso interior, um eco dessa mesma força fundamental se move. Chama-se raiva, impulso, desejo, a vontade de quebrar o que já não serve. E talvez o erro não esteja nesses sentimentos, mas em querer que nos tornemos imunes a eles.

Reprimir essa força é como negar o próprio sangue, porque ela chega a ser bruta, instintiva, porém, é viva. E quando ganha consciência, vira direção.

Isso significa que a raiva, se escutada, aponta o limite que você ultrapassou e que precisa ser estabelecido ou defendido. O desejo cego mostra onde há falta de criatividade ou coragem, apontando a possibilidade que você ainda não explorou. Ou seja, nossos instintos revelam o que o corpo já sabe, porém, a mente consciente ainda não.

Portanto, nunca foi sobre controlar, no sentido de reprimir, mas sobre cultivar: dar à energia uma forma possível e consciente.

Três gestos simples ajudam:

– Olhar sem medo: quando sentir, não fuja. Dê nome para essa energia.

– Faça algo com isso: mover o corpo, escrever, conversar, exercitar. A força precisa circular e não ser estancada.

– Cuide do básico: comer, dormir, respirar consciente. Quem está exausto não cria; só explode.

A vida não quer o nosso equilíbrio de vitrine. Basta o estado de presença para que possamos melhor observar a si e ao redor. A vida quer gente inteira, capaz de sustentar a própria intensidade sem precisar ferir ─ e se ferir ─ para existir.

Ser inteiro não necessariamente é ser calmo. Mas é ser verdadeiro.

Vai que, no fim, o que chamamos de paz seja apenas a coragem de não fugir do fogo.

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