O Que o Corpo Nos Ensina Sobre Sentir
O que é afeto?
Você já se perguntou por que algo “te afetou tanto”? A neurociência afetiva, uma área recente, propõe uma resposta curiosa: o afeto surge do desvio da homeostase, que é o estado interno de equilíbrio do corpo.
Homeostase é o esforço constante do organismo para manter a estabilidade interna. É como se o corpo estivesse sempre ajustando os ponteiros: respiração, batimentos cardíacos, temperatura, tensão muscular. Esse sistema é altamente sensível; basta um toque, uma memória, um olhar atravessado, e ele se desequilibra.
Mas, veja, esse desequilíbrio não é um erro. Ele é uma informação. É o ponto de partida daquilo que chamamos de experiência afetiva.
Imagine a presença de alguém que você considera atraente. Seu corpo percebe antes de você racionalizar: dopamina (sensação de recompensa) e ocitocina (criação de vínculo) são liberadas. O coração acelera, a pele transpira, e lá está o famoso frio na barriga.
O mesmo acontece ao ouvir uma música que nos arrepia: o cérebro libera endorfinas, a frequência cardíaca se altera, e temos o desvio fisiológico que percebemos como a emoção da beleza ou da nostalgia.
Essa é a dança natural entre o corpo e o mundo: os sentidos atuam como vigias: monitoram o ambiente e disparam respostas automáticas. O afeto, então, não começa na mente, mas no ajuste biológico do corpo. A emoção é essa resposta corporal em ação. E o que chamamos de sentimento é, em essência, a nossa percepção consciente – nossa interocepção – desse desequilíbrio.
Meditação e Interocepção: Sentir Mais
Aqui entra o conceito-chave que é a interocepção, que significa a capacidade de perceber o que se passa dentro de nós. É ela que nos permite traduzir em consciência o movimento fisiológico do afeto.
Quanto mais se desenvolve a percepção, mais claros se tornam nossos estados internos. E isso é também um trabalho de autoconhecimento: aprender a escutar o corpo.
Prática como “Yoga Nidra” (relaxamento profundo consciente), onde a atenção é guiada deliberadamente para cada parte do corpo, é um treinamento direto da interocepção, ensinando a mente a perceber sensações cada vez mais sutis que antes passavam despercebidas. Mas os ásanas (posturas do yoga) e práticas meditativas também fazem o mesmo sob outras condições.
Nesse contexto, o ego – que normalmente é tratado como um “eu” central – passa a ser compreendido como um processo psíquico fluido, e não uma barreira entre o corpo e o mundo.
Ótimos exemplos são os estados de orgasmo ou a meditação profunda, onde a estrutura chamada “eu sou” pode se dissolver momentaneamente, cedendo lugar para uma sensação de liberação ampla. O que percebemos, então, junto a essa imensa sensação de prazer, é a autorregulação profunda, sem qualquer rigidez de fronteiras fixas.
Imagine poder incorporar no seu cotidiano sensações semelhantes, apenas contatando seu corpo com mais atenção e consciência?
Isso, porque, outro ponto crucial para desenvolver essa atenção está no ambiente, responsável que é por disparar inúmeras respostas afetivas. Então, saber onde, como e com quem nos ambientar se torna uma forma estratégica de autocuidado. Isso se aplica tanto ao nosso espaço físico, quanto ao ritmo que impomos à nossa vida, ao tempo que dedicamos a certas atividades e, fundamentalmente, às nossas relações interpessoais.
Sentir é a forma mais pura de autorregulação. Sentir não possui gênero, sendo algo totalmente humano e absolutamente necessário ser desenvolvido diante de tanta robotização em volta.